sábado, 12 de maio de 2012

A matemática do assalariado

Li algo parecido com “a regra é não esquentar a cabeça”, e nesse exato momento sentia a cabeça fervilhando. 
Ia pela calçada fazendo as contas de tudo o que devo, diminuído do meu humilde salário, quando constatei que me sobrariam R$ 40,00 até o final do próximo mês.
 Ah, claro! As contas eram sobre o salário que virá daqui a quinze dias, porque o desse mês já foi e hoje, justamente hoje, dele já não me resta mais nada.
Vinha atormentada pela matemática do assalariado quando torci o pé na porra de um buraco na calçada, senti a sola do sapato solta. Pensei: Meu único sapato, preciso comprar um novo!  Mas, como?! Foi o que me perguntei.
A frase infame ressoava na minha cabeça, então contive o palavrão, me recompus, ajeitei a sola no sapato e segui crente.
A regra é não esquentar a cabeça!
Lembrei do cano estourado no banheiro e da facada que o pedreiro, metido a encanador, me enfiara quando fez o orçamento. Novamente as contas, o dinheiro, a matemática do assalariado.
Um calor! Sol de trinta graus no verão da cinza cidade de São Paulo. Bem... O próprio Sol contribuía para esquentar ainda mais minha cabeça.
Uma sede! Bem que eu poderia tomar uma gelada, mas já não tinha um centavo. É, tinha aquele que o banco dispusera na minha conta, afinal, posso estar sempre dura, mas as contas eu sempre pago em dia.
Liguei para uma amiga:
- Então, vamos tomar uma cerveja?
- Ah, já estou perto de casa, hoje não posso.
- Tudo bem!
Tentei outra, ao que ela respondeu:
- Já te ligo confirmando.
Esperei meia hora, quarenta, cinqüenta minutos... Levei um bolo, era a constatação final. Claro, porque eu ainda acho que tenho direito de ter amigos, e além do mais, a regra é não esquentar a cabeça.
Sentia-me pobre, rota, sozinha e não podia deixar de desconfiar que a qualquer momento um cão viria mijar nas minhas pernas.
Decidi beber sozinha. Olhei um bar, outro... Todos olharam para mim, afinal, dentro deles só havia homens.
Putz, além de tudo sou mulher, se eu sentar sozinha em uma mesa de um desses botecos eles vão achar que eu sou puta ou sei lá, que eu to facinha.
Foi quando a frase ressoou novamente na minha cabeça: “A regra é não esquentar a cabeça”.
Gritei um foda-se em alto e bom som! Foda-se! Quem concebeu essa frase deve ter feito sob efeito de uma boa champagne, com a conta gorda e segurança social. Foda-se!
Então entrei sozinha no boteco mais sujo que tinha por ali, pedi uma cerveja bem gelada, banquei a sapatão e paguei a conta com o dinheiro do banco.



terça-feira, 17 de abril de 2012


O Linkador
http://www.olinkador.com/2012/04/matematica-do-assalariado-por-carolina.html

Apesar do desconforto em fazer propagandas, é inevitável.
Meu texto está concorrendo no blog acima, aliás um blog bem interessante, que abre espaço para a literatura.
Aos que se interessarem:
Clique no link que direciona ao texto, leia, e se gostar vote! Um dos critérios para a escolha do texto é o número de votos dos leitores.

sábado, 14 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A sua hospitalidade


Se num alvorecer nevoento
O ar do quarto estiver sufocativo
Roupas jogadas no chão poeirento
E o amor for um paliativo

Se nossa dança for algo sem nexo
Bela e frágil como porcelana
Se o quarto cheirar cigarro e sexo
Abramos uma fresta na veneziana

Deixemos o rasgo do dia invadir
Sintamos, prodigamente, a nostalgia
Ao vermos escorrendo a noite partir
E a atmosfera quente ficar fria

Se de manhã eu for um estrangeiro
De quem você não entende a linguagem
Que por seu corpo passou, como um romeiro
Em busca do que é somente miragem

Eu serei sempre um grato andarilho
A quem deste alimento e amor
Que volta a sua terra pelo mesmo trilho
Quando chega o outono e finda o calor!

Por: Carolina Rieger Massetti

quarta-feira, 14 de março de 2012

Na terra dos desesperados


Sobre os ombros o fardo
Quanto mais ando
Mais e mais eu tardo!

O solo é anfractuoso
austero, é áspero
Num caminho ruinoso!

Às vezes corro, acelero
Às vezes exausta,
Ofego e espero!

E quando tropeço
sigo em passos trôpegos
De cair me impeço!

E aqui o tombo
Na terra dos desesperados
É ter pisoteado o lombo

É ser na multidão engolido
É o escárnio
No escombro caído

Por isso eu corro
Por todo esse desvão
Por aqui não há socorro!

Meu igual me engole
Bebe meu sangue
É voraz! Gole a gole

Eu engulo a dor, é a sina
Eu corro e suo
Encho sua conta, sua piscina

O tempo me engole
Bebe meu sangue,
É calmo! Gole a gole

Eu ainda corro,
Não tenho fome
Não peço socorro

Tenho alimento à mão
E dele como com fartura
Na minha terra o alimento é a ilusão!

Por: Carolina Rieger Massetti 07/03/2012

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Dentro, o Sol

Escorre em torrente
Do seu corpo quente
Salgado suor!

Sinto estremecer
Seu langor nascer
Seu corpo maior!

Tênue o seu lábio
Em um agir sábio
Recosta-se em mim

Desliza a sua mão
À inferior região
Toca meu jardim

Mergulha o regato
Mergulho insensato!
E quer se fartar

Arde-nos, é Febo
No verão te bebo
Devoro! Em meu mar!

Carolina Rieger Massetti
17/07/2008

Incessantemente


Busco-me
Nestas páginas
Nestas linhas
Nas palavras
Nas entrelinhas...

Busco-me
No omisso
No latente
No ignoto
No entorpecente

Estarei no paradoxo
Do que foi dito e impensado
E em todo pensamento,
Lamentavelmente calado

Busco-me
Entre o refulgir do meu ideal
E minha caminhada inversa
Trânsfuga de mim!!!

Busco-me
Nos defeitos
No desfeito
No afeito
Nos trajes, nos trejeitos
Em todo aposento
No que me aflige
No que te aflige
No meu olhar que finge
Vasculhar o seu olhar
E busca a si mesmo
Narciso em desespero
Em busca d’um espelho
Aonde vai se mirar!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Trecho do conto "Foi o trigésimo terceiro - O calvário"

V
Dormimos entrelaçados, nus, nossos corpos se complementavam, era a reconfiguração da matéria!                                               
Estava prestes a amanhecer, eu despertava em sobressalto vez ou outra, tateava seu corpo testando a realidade das coisas. Ainda estava ali!
Ele disse que sofria de insônia, mas naquele amanhecer ele estava curado e ressonava enquanto minha cabeça em roda me impedia de dormir, eu que nunca sofrera de insônia! Se eu impedisse a hora da partida, se eu bloqueasse a clepsidra que rege o universo, teríamos a eternidade e não haveria dor.
Mas, o despertador tocou, tínhamos que ir! A metamorfose se pronunciara, já estávamos separados, precisávamos falar para que pudéssemos nos entender, o expressivo silêncio falhava!  Já corríamos o risco de nunca mais nos entendermos porque a linguagem é treda, dela entendemos apenas a nossa própria história e, raramente, a do outro que narra. A linguagem traí...
Eu já estava ensaiando o que dizer, tinha que parecer interessante para que ele voltasse sentindo minha falta, mas toda vez que eu tentava ser interessante minha voz saia entrecortada, dava até gagueira, minhas mãos transpiravam, podia mesmo tropeçar. Em frente ao espelho eu estava assombrada com a minha pequenez, tornava-me uma criança desamparada e tola, e rogava a ele em silêncio que de mim cuidasse, que não me deixasse órfã!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Êxtase e desfiguração (Sob a influência do Deus Dionísio)


                                                                  A ribombar os tambores
Embriagam, da tarde, os ares
Elevando altos clamores
Aos tênues raios solares

Transmuta-se em fescenino
Em frêmito, dança, em frenesis
Ferino, morde, felino
Retorno ao bicho da gênesis

E libamos a Dionísio
Engolidos no crepúsculo
Em mim desliza e eu deslizo
Enquanto contraí seu músculo

É a cópula primordial
Somos besta e divindade
Na consagração ritual
É passado e eternidade

E ondeando teu quadril
Em você deságuo quente
Rumando para o teu rio
Enceto forte corrente

Então o tambor silencia
Se metamorfoseados
Lá na dança que sacia
Já, a dormir desfigurados!

Em busca


Em busca de um lugar ao Sol
Na cidade dos desabrigados
De sonhos estamos embriagados
Deixe terminar esse dia, amanhã o arrebol
Estamos em busca de um lugar ao Sol!

Temendo o fracasso
Debatemo-nos num embate
Numa cidade que nos abate
Quanto mais construo mais me desfaço!
Fracasso, num mundo hostil e crasso!

Em busca de um lugar ao Sol,
Às vezes sucumbimos ao cansaço
Então procuro um amigo braço
Mas, com pouco dinheiro só compro etanol
Não compro um abraço sob o Sol!

Na cidade dos desesperados
A civilização é um combate
E a maioria, gado pro abate
O Sol é a busca dos refugiados
Porque não encontramos se é tão grande o Sol?

Por: Carolina Rieger Massetti
Tentando superar minhas resistências, eis a tentativa de um blog!
E de tentativa em tentativa as coisas vão se configurando, como meros erros, quiçá acertos, na eterna matéria do devir!